O valor da formação universitária não reside no aprendizado de muitos fatos, mas no treinamento da mente para conceber coisas novas: “a educação é aquilo que sobra quando se esqueceu todo o resto”. (Albert Einstein)Sonia Racy publicou em seu blog no dia 20 de abril uma entrevista com Rita de Cássia Biason (ver aqui), coordenadora do Centro de Estudos e Pesquisas sobre Corrupção da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp/Franca). A cientista política afirma “Muito mais gente sabe que dinheiro público não é uma terra de ninguém, que ele pertence ao cidadão”. Como estudiosa do tema diz que as leis e as punições são adequadas, mas o controle de processos é falho – e que o País só sai da atual crise ‘se forças da sociedade se unirem’. A coordenadora deixa claro que será preciso juntar todas as forças da sociedade para atingir este objetivo e deixar o novo “mar de lama para trás”. A cada dia, mais brasileiros sabem que o dinheiro público pertence ao cidadão, tendo em vista que é por meio dos impostos pagos por eles que o governo funciona. A entrevista de Biason é excelente, corajosa, muito bem fundamentada e vai ao encontro do nosso pensamento sobre a falta de um sistema de avaliação da gestão das universidades federais. Na raiz dos desmandos e mesmo da corrupção está a inexistência de instrumentos de controle que possam analisar, medir e avaliar o que está acontecendo na educação superior pública, cuja soma de gastos é bilionária. A sociedade pouco ou nada sabe a respeito dos resultados e das consequências dos investimentos feitos neste setor. Trata-se de uma caixa preta: entra e sai governo e ninguém se atreve a mexer no sistema. O desenvolvimento de uma nação está baseado na qualidade da formação de recursos humanos para atender a demanda das diversas áreas de produção e dos serviços do estado moderno. O papel da universidade é o de corresponder ao anseio de progresso e promover o bem estar dos cidadãos para que realizem plenamente suas potencialidades e contribuam para o desenvolvimento de um país economicamente sustentável. Para que isto ocorra, será preciso zelar pela qualidade do capital humano, investir em educação, ciência e tecnologia, preservar a identidade nacional e valorizar a cultura. Destaque-se nesse contexto a importância do investimento na capacitação dos professores, que beneficiará o ensino público fundamental e médio e possibilitará oportunidades iguais para todos os estudantes de todas as classes sociais. O ensino superior brasileiro, de acordo com sua dependência administrativa, divide-se em público e privado. O primeiro é oferecido gratuitamente pelo Estado e congrega na sua maioria estudantes que receberam melhor formação no ensino básico. O segundo, pago pelo estudante e/ou por suas famílias, tem contribuído historicamente para complementar a ação do Estado. O ensino privado conta com seus próprios e expressivos investimentos e com o apoio de programas de financiamento ao estudantes como é o caso do Programa Universidade para Todos (ProUni) e do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). Os alunos beneficiados por este pagam seus estudos depois de formados. O Fies, criado em 1999 e reformulado em 2010, obteve inegável sucesso – em quatro anos atingiu perto de 2 milhões de alunos. No entanto, com as normas editadas no final de 2014 referentes ao programa, ocasionadas pela “crise financeira”, o governo reverteu, de forma inopinada e sem avaliação alguma, as expectativas dos estudantes já inscritos, além de limitar o ingresso de novos alunos. Essas questões nos remetem a um tema recorrente. Se o governo não explicou à sociedade sua decisão, somos levados a crer que não há base alguma para justificá-la e que inexistem parâmetros comparativos para afirmar qual seria o melhor investimento: ensino gratuito na universidade pública ou o financiamento dos estudos de alunos de baixa renda na escola privada. Quase não há literatura para informar os gastos do governo com bibliotecas, laboratórios, edificações, formação de professores, cursos de extensão e pós-graduação nas instituições públicas. Do mesmo modo, inexistem pesquisas que analisem, sob a ótica do custo-benefício, os resultados dos investimentos nestas instituições para o país. No caso da Universidade de São Paulo (USP), por exemplo, a folha de pagamento dos funcionários excedeu os 120%, fato que demonstra descontrole total das diversas gestões da instituição. Por que tais questões não foram detectadas em tempo hábil e, assim, definido um sistema competente para solucionar os problemas? Sem avaliação sistêmica e de controle – fato que vimos reiteradamente comentando em nossos artigos – como abraçar a causa da universidade pública? Mérito e valores acadêmicos Sem sombra de dúvidas, nas universidades, e em especial nas instituições públicas, estão os cérebros e os talentos mais privilegiados da nação, que elegeram como opção profissional a produção e a transmissão de saberes, para o ensino, pesquisa, e extensão, no sentido de capacitar recursos humanos para o desenvolvimento do país. São pessoas que pelo mérito e esforço acadêmico dedicam todo seu tempo para aperfeiçoar e ampliar seus estudos com objetivo de acumular experiência e aprimorar seu desempenho acadêmico. Universidades que ambicionam atingir o mais alto padrão de ensino, pesquisa e extensão devem se reger pela primazia do mérito e da qualidade acadêmica, submetendo-se a uma permanente avaliação externa e mantendo transparência na prestação de contas à sociedade, a qual deve estar representada nos órgãos colegiados de cúpula. Mas não é isto que acontece na prática porque, no decorrer do tempo, a universidade, com base na sua autonomia, tornou-se uma imensa estrutura burocrática. Os gastos com a educação são enormes e não há transparência de gestão e governança para mostrar o que acontece na universidade com o dinheiro do contribuinte. Mesmo considerando que as instituições universitárias vêm buscando o caminho da superação, seu papel vem sendo fortemente contestado em todo o mundo. Para justificar nossas preocupações, sugerimos a leitura da pesquisa realizada por José Lucio Tozetti Fernandes e César Augusto Tibúrcio Silva, professores da Universidade de Brasília (UnB), “Indicadores para avaliação da gestão das universidades federais brasileiras: um estudo da influência dos gastos sobre a qualidade das atividades acadêmicas do período 1998-2006”. Em síntese, o estudo aponta que “em um ambiente no qual é crescente a demanda pela prestação de contas das ações do Estado quanto à melhoria do bem-estar social, é esperada uma postura das universidades federais, em relação aos trabalhos realizados”. Nesse sentido, o emprego de indicadores é ferramenta útil no auxílio do monitoramento e da transparência dos atos dos gestores públicos. O estudo analisa ainda a relação dos gastos executados pelas universidades federais brasileiras com a qualidade das atividades de ensino, de pesquisa e de extensão no período mencionado. Para alcançar o objetivo proposto, o estudo desenvolveu um conjunto de indicadores que revelaram a qualidade das atividades acadêmicas e a forma de gastos das universidades. De maneira geral, os resultados mostram que as universidades com maiores gastos nem sempre apresentaram melhor qualidade das atividades de ensino na graduação e na pós-graduação, pesquisa e extensão, embora esses gastos mostrem comportamento positivo com a qualidade da pós-graduação e da pesquisa. Também foram verificadas as relações entre os gastos de um ano e a qualidade das atividades de períodos posteriores. Conclui o estudo que para o período estudado “as universidades federais não foram harmônicas na utilização dos recursos públicos e no retorno proporcionado à sociedade na forma de melhor qualidade das atividades acadêmicas”. Trabalhos expressivos como este, mostram que a sociedade já tem consciência de que dinheiro público investido na área da educação precisa ser controlado, porque, se bem administrado, é uma alameda aberta para o país alcançar seu desenvolvimento.